CARTA AO MESTRE CLAUDIO - BRINCAR COM FOGO
Os acampamentos de indignados no mundo inteiro mostram uma mudança substancial na forma de protestar. Esse protesto com residência na praça ou na rua é muito mais doméstico do que muita gente imagina. Por isso é necessário decidir se levá-los em banho-maria é uma resposta suficiente. Quem ganhará mais, por exemplo, uma prefeitura que boicote ou uma que atenda às necessidades básicas desses residentes não tão indignados assim?
Fica cada vez mais claro que dar emprego para as pessoas ainda não é uma opção vislumbrada, pelo menos na Europa e nos Estados Unidos. As políticas econômicas e as economias políticas não vão conseguir os investimentos necessários, pelo menos não para atender esse tipo de lamentação. Noutros lugares, são tantos precisando desfrutar do mercado de trabalho que, por mais que haja emprego, há sempre a falta deles nesses casos.
Comentários desse gênero revelam nosso dilema crucial para sabermos exatamente se estamos diante de um problema de momento e de caixa ou algo mais fundo e de organização.
Obviamente, a crise de 2008 indica que seu processo tem uma origem em negócios ambiciosos ou mesmo fraudulentos e terá um fim em políticas restritivas, de aperto para a população, desde que as condições produtivas e financeiras se equilibrem, aí voltamos à bonança e as pessoas voltam para casa, sem qualquer sinal de rejeição do “capitalismo” ou do sacrossanto modo nosso de viver. Não há nada como alguns trocados e um trabalho para autorizar nosso sem-jeito jeito de vida. A indústria das greves tem seus nichos favoritos onde há ganhos injustificados ou injustificáveis. E com isso eu entrego a Deus o problema da conjuntura. Isto sem deixar de ficar perplexo, afinal, num mundo que parecia tão rico, as crises nos levam a situações tão desconfortáveis. Digo-o no sentido em que os manifestantes em vez de criticarem as políticas econômicas voltam com os velhos lemas dos que ainda continuam habilidosamente oportunistas. Sobre o tal capitalismo, aliás, é preciso decidir se é o nome que damos ao processo em que se constrói nossa sociocultura ou o vemos como sendo o processo contra o qual nossos projetos apontam. No primeiro caso, não há como vociferar contra uma característica inata, afinal o outro nome do dinheiro é capitalismo. No segundo caso, o Estado é o socialismo. Portanto, a disputa capitalismo x socialismo é, no fundo, uma luta institucional. O dinheiro e o Estado duelam para seguirem sendo nossas instituições basilares e preferidas. Um aperto aqui, outro acolá, e as injustiças se tornam palatáveis.
E aí chegamos ao nó dos acampamentos de indignados, pelo menos na Europa e nos Estados Unidos, onde proliferam as queixas estruturais para resolver problemas conjunturais.
Mestre Cláudio, alguém poderia me dizer: - Mas deixe de ser tolo, homem. Essas demonstrações anticapitalistas não passam de diplomacia com os governantes e com a população salva do naufrágio. Ninguém quer fazer a difícil opção por um partido, por uma política econômica, aí fazem queixas para que as autoridades melhorem o sistema. No início do acampamento dos indignados na Praça do Sol em Madrid o número de pessoas envolvidas já era suficiente para fundar um partido alternativo. Fizeram mil discursos, mas quem teria coragem de propor sair dali para fundar outro partido diferente do Partido Socialista e do Partido Popular? Embora fosse uma alternativa válida e a ser aprofundada, foi até bom que não o fizessem, para não terem o dissabor de constatar que o partido realista ia ser dominado pelas mesmas preocupações dos “partidos acostumados” às oscilações econômicas e aos tremores políticos. As crises assustam, mas nada que nos descabelem, enquanto a maioria mantém as instituições de pé, batendo o ponto na hora certa, apesar da cara de sono, e de vez em quando uma grevezinha com seus trocos valiosos. Os mesmos elementos que o dinheiro tem de desestabilizar, ele tem os de estabilizar. Mais dia, menos dia, e as peças se encaixam.
Entendo, desde o materialismo histórico, toda iniciativa contra o sistema redunda em melhor qualificá-lo. Ele fica cada vez mais ajustadinho. Esta é a maior prova de que o sistema econômico é a essência sobreposta da vida. Tudo serve para torná-lo ainda melhor a cada dezena de anos ou a cada nova geração. Aliás, de todas nossas instituições, ele próprio só ganha a cada crise. Ou seja, ele necessita da crise ocasional para continuar dando lucros permanentes e isso, e aquilo. A crise tira por cima e coloca por baixo.
Agora, o curioso é que não há qualquer solidez fora do Estado. O sistema econômico não é essencial como o sistema biológico, porque o lucro não é um fenômeno com seivas. Entretanto, montanhas de dinheiro sem uso parecem órgãos que se inviabilizam na inoperância. E o dinheiro guardado sempre serve à ou na próxima crise. Bendito o Senhor, que nos deu invenção tão engenhosa... só não se sabe até quando e por quanto. (Fonte: Guarapuava Tube)
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